segunda-feira, 22 de outubro de 2012

EDUCAÇÃO ALIENANTE e CENTRALIZAÇÃO:

Para que essa estrutura política e econômica centralizada funcione é preciso que haja um sistema educacional propício onde as pessoas percam a noção de seu papel na sociedade. Sabemos que um melhor aprendizado está diretamente ligado à prática do que é aprendido. Veja, por exemplo, se uma pessoa quer aprender música, mas a didática utilizada só faz uso de teorias, sem uma prática musical, sem que se ouça o som, o processo é muito mais difícil, se não impossível.

É com base nesse pensamento que Paulo Freire, um dos grandes pedagogos de nossa história, falou sobre a necessidade de se adequar os livros didáticos de alfabetização e as práticas educativas fazendo uso de termos cotidianos para as pessoas. Para ele era inconcebível que se ensinasse “U” de uva para uma criança do interior do nordeste brasileiro que nunca viu ou ouviu falar de uva.

A despeito de alguns professores heróis e que não seguem esse modelo alienante, a maioria das crianças e jovens que passam pelo ensino formal brasileiro acabam perdendo grande parte de seu precioso tempo de vida aprendendo coisas que nunca farão uso em sua vida. Nas escolas, principalmente nas que formam alunos pra passar em vestibular de universidades federais, há um gasto enorme de material, tempo de alunos e professores para o ensino de tantas fórmulas – químicas, matemáticas e físicas, as quais não terão valor algum para esses alunos, exceto se eles seguirem algum tipo de carreira acadêmica ou científica. A língua portuguesa ensinada nesse sistema alienante quer moldar todos os cidadãos na linguagem padrão “Jornal Nacional”, estigmatizando assim a linguagem, a oralidade e a expressão da cultura popular de cada região.

Uma famosa e cara escola de Brasília, que também trabalha com cursinho para concurso e pré-vestibular, já usou como propaganda, em um painel de rua, o fato de ter ocupado quase a metade das vagas da Universidade de Brasília - UnB em um de seus vestibulares. Por ser cara, é óbvio que quem irá ocupar as vagas da universidade pública e gratuita, são pessoas que mais tem condições de bancar seus estudos superiores. Será que isso não seria motivo suficiente para que os programas de seleção universitária sejam revistos, tendo em vista o papel primordial do Estado em trazer equilíbrio social, dando aos menos favorecidos socialmente melhores condições de acesso à educação? A única afirmação que se pode fazer disso tudo é que tantos concursos quanto vestibulares acabam por não cumprir o seu papel de realizar uma seleção justa com base no mérito e no grau de inteligência de cada um, pois a maioria dos aprovados teve melhores condições sociais para desenvolver suas habilidades conteúdistas.

Os conteúdos educacionais da educação formal estão longe do cotidiano dos indivíduos. Se a gente pegar alguns jovens de nossas escolas metropolitanas e colocá-los em meio a um mandiocal para sobreviver, eles poderão passar fome nesse meio, pois não saberão que a raiz da planta é alimento. Dificilmente se ensina nas escolas de hoje coisas como: cozinhar alimentos saudáveis, cultivar uma horta, valores medicinais de plantas, mecânica automobilística, organização financeira, cuidado com animais, artesanato, reforma de utensílios e roupas, organização doméstica, primeiros socorros, música, solidariedade, dentre outros.

Nesse país, a disputa acirrada que ainda se tem pelo curso de direito nos faz refletir qual é real necessidade de tantos formandos que são jogados no mercado de trabalho todos os anos graduados nessa área. Novamente é bom relembrar dos concursos públicos: seria mais plausível que um concurso público de nível superior para um cargo de administração exigisse do concursado uma formação compatível com as tarefas que irá exercer. Mas muitas vezes os editais só exigem que o concursado tenha nível superior.

Imagine só um formado em Educação Física sendo administrador de um setor de museu da Câmara Federal. É como se a sua graduação não valesse pra nada, e ele tivesse apenas o segundo grau. Esse exemplo nos mostra como o próprio Estado deixa de reconhecer a importância do que se aprende em um curso de graduação.
Outro agravante dessa alienação educacional é o fato de que ultimamente no Brasil os programas de inclusão universitária procuram criar vagas para que descendentes de indígenas ocupem vagas no curso superior, sob a alegação de que eles exerçam sua cidadania aprendendo como se dá a organização política e a história desse Estado.

No entanto, esquece-se que nesse momento, são os indígenas que devem nos ensinar como viver em harmonia com o meio ambiente, os valores medicinais e nutritivos das plantas, assim como eles sabem. Por fim, o ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio – que visa averiguar o grau de aprendizado de todos os estudantes de ensino médio desse país, agora pode ser adotado como mecanismo de filtro de entrada no vestibular. Esse exame é típico de um Estado que tenta padronizar os conteúdos e aprendizados de seus cidadãos, desconsiderando os interesses, os saberes, as necessidades, a realidade educacional de cada local.
Nesse sentido, o educador popular, Luiz Gonzaga Gonçalves, no texto Práticas não-escolares e inclusão, na revista Salto para o Futuro, ano XIX, nº 11, relata que:

“O censo de 1900 (PAIVA, 2003, p. 95), todavia, apon¬tava para 75% de analfabetos no país, o que muito incomodava os intelectuais daquele período. Quanto a isso, Vanilda Paiva (op. cit.) lem¬brava algo importante: num país de origem rural, os grupos dominantes defendiam a ideia de que trabalhadores empregados no cultivo da cana-de-açúcar, do café, na cria¬ção do gado, os artesãos dos pequenos nú¬cleos urbanos, os trabalhadores “livres” que possuíam pequenas propriedades e outros trabalhadores não necessitavam da leitura e da escrita para desempenharem sua ativida¬de laboral. De fato, as pessoas que viviam no campo, nas grandes fazendas, os pequenos agricultores, os pequenos criadores autôno¬mos, os pequenos pescadores de rios e de mar, os artesãos, os trabalhadores manuais tinham seu reconhecimento social garanti¬do, mesmo sem o acesso ao código escrito.

Se esse reconhecimento social existia, esses trabalhadores eram suficientemente inteli¬gentes para se darem conta da precarieda¬de, da exploração e do abandono que diziam respeito às suas condições de vida e de tra¬balho. Mais recentemente, no sertão nor¬destino, fui surpreendido por verdadeiros provérbios populares, passados de geração a geração, como prova viva e contínua de uma constatação do abandono dos trabalhadores do campo, quanto ao acesso aos benefícios sociais. Ao longo da década de 1980, registrei no sertão baiano, como parte de meu ofício de educador popular, a freqüência de dois provérbios, que circulavam pela boca dos antigos, nas pequenas propriedades rurais. Diziam: “Não contamos com quase nada, o que temos de nosso é apenas a noite e o dia, só contamos com os recursos de nos-sas mãos. Somos como as aranhas e suas pequenas teias: as aranhas comem somente do que elas tecem”. Outros, mais pessimis¬tas, quando incitados a darem um passo em direção às organizações sindicais populares, num primeiro momento, repetiam: “nosso melhor governo é a chuva”.

O que se pode concluir desse precioso texto é que a alfabetização dentro do quadro da educação formal não visa primordialmente fortalecer nos indivíduos seus sentimentos de ação política, pois na realidade em que vivem, suas necessidades vitais e existenciais estão muito distantes dos gabinetes políticos. Repito a bela frase: “nosso melhor governo é a chuva”. Então, dentro de todo esse esquema surreal das nossas gigantescas estruturas político-jurídico-legislativas, a alfabetização formal está longe de efetivar no indivíduo sua potencialidade de participação política.

Ainda nessa revista, a pedagoga Maria Margarida Machado, em seu texto
Políticas e práticas escolares de educação de jovens e adultos como direito à cidadania e formação de professores, afirma:

“A maioria dos cursos de formação de professo¬res nos prepara para atuar com o aluno ideal e - por que não dizer? - irreal. Aprendemos os conteúdos de nossas áreas, co¬nhecemos algu¬mas ferramentas pedagógicas e metodológi¬cas, mas estamos longe de pensar a realidade concreta da escola na qual iremos atuar, ao as-sumir um contrato temporário ou, mesmo, ao passar num concurso para cargos efetivos nas redes públicas de ensino.”

O exercício do direito de voto do analfabeto no Brasil foi uma conquista memorável, um reconhecimento de que apesar de não saber ler ou escrever, de não ter passado pela escola formal, o indivíduo ainda tem possibilidade de compreender a realidade que lhe envolve. No entanto, ainda precisamos evoluir nesse sentido, de forma que eleitor tenha um real contato com quem pretende eleger, e não apenas mais uma cara que aparece na TV com dizendo seu número e nome. Pra que se possa escolher melhor um candidato, é preciso conhecer sua história de vida, sua família, seu ciclo de amizade, seus valores. E isso só é possível em níveis micro.